sexta-feira, 26 de agosto de 2011


Não bastasse a desigualdade social. Não bastasse a ostentação de poucos às custas da miséria e da fome de milhões. Não bastasse a imposição cultural e de valores ocidentais às minorias e às sociedades tradicionais. Não bastasse a objetificação do próprio ser humano – sobretudo das mulheres – onde se transforma o corpo e @ própri@ individu@ em meros objetos de consumo. Enfim, não bastassem todos os tipos de abusos, desrespeitos e explorações que o ser humano impõe ao próprio ser humano, o sistema o qual estamos inseridos ultrapassa a fronteira biológica e parte na atuação individualista e irresponsável pra cima das mais diversas formas de vida e riqueza que se tem no mundo.

A partir da imposição de desejos e sonhos que apontam o sucesso individual como a mais louvável das ações humanas, parte a humanidade na busca desenfreada por recursos que gerem riquezas para serem novamente reinvestidas. Um ciclo vicioso que desconsidera tudo e tod@s para se alcançar os objetivos almejados. Nessa lógica, faz sentido que um único homem tenha propriedades maiores do que países, produção maior do que PIBs e trabalhadores em maior número do que nações, enquanto a grande maioria da população mundial não dispõe de terra sequer para produzir a própria subsistência e não é dona nem de si mesma. Faz sentido que se use agrotóxicos que contaminam nascentes e mananciais em monoculturas que acabam com a biodiversidade e com o equilíbrio natural da terra. Agrotóxicos, estes, que tem como destino final o meu e o seu estomago, o leite materno que contamina a criança desde o nascimento, o corpo inteiro dos trabalhadores do campo, dentre outros. Faz sentido que noss@s representantes aprovem um código florestal que desconsidera todos os estudos técnicos e movimentos sociais para satisfazer os interesses de uma bancada ruralista que não tem compromisso com ninguém senão com o capital e com os grandes produtores.

A luta pelo meio-ambiente se não andar de mãos dadas com a luta social só pode ser entendida como demagógica e perversa. Temos que desmistificar que se salvará o planeta desligando a torneira ao se escovar os dentes e expor toda a hipocrisia daqueles que se apropriam de tão importante luta para reproduzir o mesmo sistema gerador de tanta devastação e injustiça. É claro que a transformação passa pelos hábitos do dia-a-dia. Mas não podemos entrar na onda do marketing verde – que é o que há de mais desenvolvido em termos de sustentabilidade no Brasil, infelizmente – de que basta “cada um fazer a sua parte”. Pra além do nível individual, é preciso ter políticas públicas que garantam uma sustentabilidade de fato e o comprometimento governamental com o cuidado de nosso povo e natureza. Não existe sustentabilidade sem divisão da terra, sem incentivo à agricultura familiar e sem a garantia de boas condições de vida pr@ trabalhador@ do campo. Não existe sustentabilidade sem investimento em educação e em novas tecnologias. Não existe sustentabilidade em um sistema que deixa milhões de marginalizados em situação de rua enquanto uma minoria enriquece com a especulação imobiliária. Não existe sustentabilidade sem repensar a valoração que se é dada aos recursos naturais e sem entender que o dinheiro só tem valor simbólico. E, dentro deste sistema valorativo que é o monetário, existem riquezas que não se encaixam e nem por isso devem ser ignoradas. Não existe luta pelo meio-ambiente sem levar em conta as condições de vida levadas por animais que serão destinados às nossas mesas e sem entender o que cada Kg de carne representa em termos de água e terra consumida.

Tratar do sustentabilidade é, sim, tratar das árvores. É, sim, desligar a torneira ao se escovar os dentes. Mas é, principalmente, uma revisão completa do nosso modelo produtivo, da lógica de consumo capitalista e das nossas práticas cotidianas. Qualquer luta que não leve em conta estes aspectos não pode ser considerada sustentável e qualquer militante que se propõe ambientalista e não almeja mudanças estruturais tem flores de plástico na boca.

Raphael Sebba é estudante de Engenharia Ambiental da UnB e Coordenador do DCE

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